Igreja luterana
Domingo, 10 horas da
manhã. O sino toca chamando os fiéis. No altar há um sacerdote de
batina, um crucifixo e velas acesas. Nos vitrais, cenas bíblicas. Mas
logo você percebe que não está dentro de uma Igreja Católica. Entre as
obras de arte sacra que adornam a igreja, não há figuras de santos. Num
dos bancos da igreja, é possível encontrar a esposa ou os filhos do
sacerdote, que é chamado de pastor. E no momento da comunhão, todos os
fiéis compartilham do pão e do vinho. Você está numa Igreja Luterana, a
igreja que nasceu da Reforma Protestante do século 16.
Olhando em torno, você
verá algumas cabeças loiras e faces rosadas, especialmente se estiver em
uma igreja do sul do país. É que a Igreja Luterana nasceu na Alemanha e
foram imigrantes que a trouxeram para cá. Em algumas igrejas, ainda há
horários especiais para cultos em alemão, mas é cada vez maior o número
de Souzas e Silvas mesclados a Müllers e Beckers. E além dos clássicos
hinos escritos pelo reformador Martinho Lutero, os quais a congregação
canta em uníssono acompanhada do órgão, também se ouvem cânticos em
ritmo de bossa nova ou samba, cantados com o apoio do violão.
Os primeiros protestantes no Brasil
Primeiro em Nova
Friburgo, no Rio de Janeiro, e depois em São Leopoldo, Rio Grande do
Sul, os luteranos se organizaram em comunidades e construíram as
primeiras igrejas. Em 1904, chegariam ao Brasil os primeiros
missionários luteranos procedentes dos Estados Unidos, estado do
Missouri. Tinham o objetivo de procurar fiéis ainda carentes de
atendimento pastoral e acabaram fundando a IELB.
Há algumas diferenças
decorrentes da constituição histórica e raízes culturais. Assim, por
exemplo, a IECLB ordena mulheres, oferece a ceia (eucaristia) a crianças
e mantém diálogo com a Igreja Católica; a IELB, não. Mas não há
rivalidades entre as duas denominações. "Mantemos um bom diálogo entre
as duas igrejas e um bom trabalho de cooperação, principalmente na área
de literatura", ressalta o pastor Carlos Winterle, presidente da IELB.
As editoras luteranas (Sinodal, da IECLB e Concórdia, da IELB) coeditam devocionário e obras sobre Lutero.
Eles são poucos, mas fazem diferença

Mas quem acompanha o
noticiário tem a impressão de que a Igreja Luterana é muito maior. É que
os meios de comunicação costumam convidar pastores luteranos para
representar o protestantismo em eventos ecumênicos ou mesas redondas com
líderes religiosos.O professor Gertz acredita que esta projeção social
esteja vinculada à própria qualidade das instituições luteranas. "O
primeiro curso de pós-graduação em Teologia reconhecido pelo MEC foi o
da Escola Superior de Teologia da IECLB, em São Leopoldo. E segundo
dados levantados em 2000, a quarta universidade em número de alunos é a
Ulbra, Universidade Luterana do Brasil, mantida por uma comunidade
ligada à IELB", destaca ele.
A igreja que nasceu numa universidade
A educação é uma
prioridade nesta igreja nascida a partir dos questionamentos de um
professor da Universidade de Wittenberg. Foi na porta da igreja da
universidade que Martinho Lutero pregou as famosas "95 teses": questões
teológicas que acabariam resultando na excomunhão do monge. Mais tarde,
Lutero fez uma tradução da Bíblia em latim para o alemão, a fim de que
os ensinamentos cristãos pudessem ser acessíveis aos leigos,sem a
necessidade da intermediação de um padre. Mas, para isso, era preciso
saber ler. Junto aos príncipes alemães, ele defendeu a necessidade da
criação de escolas e incutiu em seus seguidores a mesma preocupação.
Assim, os imigrantes luteranos que chegavam ao Brasil construíam
primeiro as escolas para seus filhos, depois as igrejas.
E essa valorização do
ensino vem até hoje, sobretudo em relação às crianças. Nos cultos
dominicais, elas recebem atenção especial. Enquanto os adultos celebram
no templo, as crianças participam do "culto infantil", com estudos
bíblicos preparados em linguagem apropriada à idade. Em outros dias da
semana, grupos formados por afinidades de interesse (jovens, casais,
senhoras...) também se reúnem para estudos bíblicos organizados no
templo ou na casa de um dos membros.
A ação social da igreja
também ocorre por meio da participação dos grupos de membros da igreja,
sobretudo das senhoras, que organizam trabalhos de assistência direta à
população carente ou arrecadação de fundos para instituições. "Nossa
força missionária é a ação social", diz o pastor Guilherme Lieben, da
Igreja da Ressurreição da IECLB, de Santo André. Na IECLB existem até
mulheres que dedicam sua vida exclusivamente às atividades sociais e
missionárias, abrindo mão da vida familiar, à semelhança das freiras
católicas. Elas são chamadas de diaconisas. "A esta irmandade
pertencia a Irmã Doraci Julita Edinger, que em 21 de fevereiro de 2004
foi assassinada em Nampula, Moçambique, onde atuava desde 1998 na
constituição de comunidades eclesiais e no desenvolvimento de projetos
sociais comunitários", lembra o pastor Walter Altmann, presidente da
IECLB. Na IELB, as atividades sociais também têm forte
participação feminina, mas elas não se organizam em irmandades, nem
optam pelo celibato.
Os dois Sacramentos Luteranos
Dos sete sacramentos da
Igreja Católica (batismo, confirmação ou crisma, eucaristia, penitência
ou confissão, unção dos enfermos, ordem sacerdotal e matrimônio), Lutero
reconheceu apenas dois: o batismo e a eucaristia (também chamada de
"santa ceia").
O batismo - com água, em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo - é um sacramento ministrado,
geralmente, a bebês. Podem ser batizados também jovens ou adultos,
desde que não tenham sido batizados anteriormente. A Igreja Luterana não
rebatiza fiéis batizados em outras denominações cristãs. "Qualquer
batismo com água, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, é
válido", explica Cláudio Rice Geisler, pastor da Congregação Evangélica
Luterana de São José dos Campos e conselheiro distrital (espécie de
bispo) do Distrito Paulista da IELB. Depois de batizadas, por volta dos
12 anos as crianças luteranas costumam fazer a "confirmação", uma
declaração pública de sua fé e compromisso com a igreja.
Em geral, as igrejas
luteranas celebram a ceia todos os domingos, embora não haja
obrigatoriedade. Diferente do rito católico, pastores e fiéis têm igual
acesso ao pão e ao vinho. O "corpo de Cristo" é recebido com um pedaço
de pão, que pode ser uma hóstia (uma massinha de trigo sem fermento). O
"sangue de Cristo" é vinho na
IELB mas, na IECLB, que oferece a ceia para crianças que ainda não fizeram confirmação, costuma ser suco de uva.Outra alteração luterana em relação à eucaristia católica é o próprio conceito do sacramento: para os católicos, ocorre na ceia o fenômeno da transubstanciação. É uma mudança de substância, na qual pão e vinho transformam-se no corpo e sangue do Cristo crucificado. Lutero acreditava que o sacrifício de Cristo tinha sido realizado de uma vez por todas. Contudo, também discordava de outros reformadores, como Calvino, que entendiam a ceia apenas como um memorial simbólico. Lutero defendia que o corpo e sangue de Cristo estão presentes na Santa Ceia "em", "com" e "sob" o pão e o vinho, o que ele chamava de "presença real do corpo e sangue de Cristo" -- conceito que os teólogos chamam hoje [erroneamente] de consubstanciação.
IELB mas, na IECLB, que oferece a ceia para crianças que ainda não fizeram confirmação, costuma ser suco de uva.Outra alteração luterana em relação à eucaristia católica é o próprio conceito do sacramento: para os católicos, ocorre na ceia o fenômeno da transubstanciação. É uma mudança de substância, na qual pão e vinho transformam-se no corpo e sangue do Cristo crucificado. Lutero acreditava que o sacrifício de Cristo tinha sido realizado de uma vez por todas. Contudo, também discordava de outros reformadores, como Calvino, que entendiam a ceia apenas como um memorial simbólico. Lutero defendia que o corpo e sangue de Cristo estão presentes na Santa Ceia "em", "com" e "sob" o pão e o vinho, o que ele chamava de "presença real do corpo e sangue de Cristo" -- conceito que os teólogos chamam hoje [erroneamente] de consubstanciação.
Eles creem que são salvos pela fé
Seguindo os
ensinamentos do líder da Reforma, os luteranos seguem o princípio do
"sacerdócio universal". Ou seja, a autoridade máxima não é do sacerdote,
mas da Bíblia, à qual todo cristão tem acesso. Mas, ainda que a leitura
da Palavra de Deus direcione os passos, ela não garante a paz de
espírito. O próprio Martinho Lutero foi um jovem monge atordoado por um
perene sentimento de culpa, resultado da consciência da própria
imperfeição. Como o ser humano, pecador por natureza, pode alcançar o
reino dos céus? Lutero encontrou a resposta na própria Bíblia, lendo as
cartas do apóstolo Paulo: "Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo" (Romanos 5.1).
A chamada doutrina da
"justificação pela fé" bateu de frente com a crença, então corrente, de
que boas obras e penitências aplicadas pelos sacerdotes pudessem levar o
cristão ao céu. Hoje essa já é uma questão que não divide católicos e
luteranos. Em 31 de outubro de 1999, representantes da Igreja Católica e
da Federação Luterana Mundial assinaram a "Declaração conjunta sobre a
Doutrina da Justificação", na qual se lê: "Confessamos juntos: somente
por graça, na fé na obra salvífica de Cristo, e não por causa de nosso
mérito, somos aceitos por Deus e recebemos o Espírito Santo, que nos
renova os corações e nos capacita e chama para as boas obras".
Acreditando que a salvação é uma questão particular de fé, os luteranos valorizam muito a liberdade e responsabilidade individuais. "A Igreja não faz prescrições morais, mas dá orientações evangélicas para a vida de seus membros", afirma o pastor Walter Altmann, presidente da IECLB. Assim, os luteranos são livres para dançar numa festa ou beber uma taça de vinho às refeições, por exemplo - práticas que são condenadas em muitas igrejas protestantes. Condena-se o alcoolismo, não a bebida; assim como se condena o fumo - pelos comprovados efeitos nocivos à saúde - mas não se rejeita o fumante. "O fumo é combatido, mas não é uma questão que determine a salvação. Não existe uma hierarquia espiritual entre fumante e não fumante", exemplifica o pastor Guilherme Lieven, da IECLB de Santo André. Seguindo os ensinamentos do apóstolo Paulo, os luteranos vivem "a liberdade para a qual Cristo os libertou" (Gálatas 5.1), com a responsabilidade de que "todas as coisas são lícitas, mas nem todas convém" (1 Coríntios 6.12).
Acreditando que a salvação é uma questão particular de fé, os luteranos valorizam muito a liberdade e responsabilidade individuais. "A Igreja não faz prescrições morais, mas dá orientações evangélicas para a vida de seus membros", afirma o pastor Walter Altmann, presidente da IECLB. Assim, os luteranos são livres para dançar numa festa ou beber uma taça de vinho às refeições, por exemplo - práticas que são condenadas em muitas igrejas protestantes. Condena-se o alcoolismo, não a bebida; assim como se condena o fumo - pelos comprovados efeitos nocivos à saúde - mas não se rejeita o fumante. "O fumo é combatido, mas não é uma questão que determine a salvação. Não existe uma hierarquia espiritual entre fumante e não fumante", exemplifica o pastor Guilherme Lieven, da IECLB de Santo André. Seguindo os ensinamentos do apóstolo Paulo, os luteranos vivem "a liberdade para a qual Cristo os libertou" (Gálatas 5.1), com a responsabilidade de que "todas as coisas são lícitas, mas nem todas convém" (1 Coríntios 6.12).
Evangélicos, protestantes e luteranos
O monge agostiniano
Martinho Lutero (1483-1546) nunca quis criar uma nova igreja. Num de
seus escritos de 1522, ele diz, muito diretamente, como era seu estilo:
"Peço que meu nome seja calado e que ninguém se chame de luterano, senão
de cristãos. Que é Lutero? Pois a doutrina não é minha! Eu também não
fui crucificado por ninguém. São Paulo, em 1 Co 3, não quis suportar que
os cristãos se chamassem de paulinos ou petrinos, mas de cristãos. Como
poderia eu, pobre e fedorento saco de vermes, fazer com que os filhos
de Cristo fossem chamados por meu nome desprovido de qualquer valor?".
Contudo, o surgimento de uma igreja "luterana" foi inevitável. Após ser
excomungado da Igreja Católica, em 1520, Lutero ficou dez meses
escondido no castelo de Wartburg. Ao voltar para sua cidade, Wittenberg,
com a proteção do príncipe da Saxônia, retomou o púlpito de sua igreja e
voltou a pregar - mas a igreja já não podia ser chamada de católica.
Em 1526, na Dieta
(assembleia) de Espira, decidiu-se que cada príncipe controlaria os
negócios da igreja em seu país. Assim, a Alemanha ficou dividida em
estados católicos e "luteranos". Em 1529, uma nova assembleia decidiu
que, nos estados luteranos, as duas facções teriam liberdade de culto,
mas nos estados católicos, essa liberdade seria concedida apenas aos
católicos. Os nobres que apoiavam os ensinos de Lutero protestaram
veementemente contra a decisão e, desde então, popularizou-se, também, o
termo "protestantes" para as igrejas nascidas a partir da Reforma. "Mas
luteranos e protestantes foram nomes que os outros nos deram, o termo
que nós cunhamos foi evangélicos", explica o pastor Guilherme Lieven, da
Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. A palavra
"evangélico" tem origem em um dos três pilares da Reforma: sola gratia (somente a graça), sola fide (somente a fé), sola scriptura
(somente a escritura). Ou seja: a salvação vem somente pela graça,
mediante a fé, tendo a escritura - o "evangelho" - como guia.
A Irmandade Evangélica de Maria
Entre os vários parques
de Curitiba, existe um especialmente dedicado à oração: é o Bosque de
Jesus, que fica no Bairro São Lourenço. Entre árvores e flores, há
esculturas retratando passagens da vida de Cristo e bancos convidando à
meditação. Quem zela por esse lugar é a Irmandade Evangélica de Maria,
uma instituição internacional e interdenominacional fundada na Alemanha,
em 1947, pela iniciativa de duas moças luteranas: Klara Schlink e Érika
Madauss, que adotariam o nome religioso de Madre Basilea e Madre
Martyria, respectivamente.
O estilo de vida das irmãs de Maria lembra o das freiras católicas: ao entrar para a irmandade, elas ganham um novo nome, passam a viver em comunidade, usam hábitos brancos e adotam o celibato. "Recebemos uma aliança com o nome de Jesus. Não estamos casadas com a Igreja", explica Irmã Ádola, de Curitiba, a única filial da organização no Brasil. Por isso, embora as primeiras irmãs fossem luteranas, a irmandade tem um caráter ecumênico, contando com membros de diversas denominações evangélicas, procedentes de 18 países. Irmã Ádola, por exemplo, é batista e norte-americana.
O estilo de vida das irmãs de Maria lembra o das freiras católicas: ao entrar para a irmandade, elas ganham um novo nome, passam a viver em comunidade, usam hábitos brancos e adotam o celibato. "Recebemos uma aliança com o nome de Jesus. Não estamos casadas com a Igreja", explica Irmã Ádola, de Curitiba, a única filial da organização no Brasil. Por isso, embora as primeiras irmãs fossem luteranas, a irmandade tem um caráter ecumênico, contando com membros de diversas denominações evangélicas, procedentes de 18 países. Irmã Ádola, por exemplo, é batista e norte-americana.
O objetivo da Irmandade é
"seguir a Jesus, segundo o exemplo de Maria". Elas atuam especialmente
no âmbito da educação, por meio da edição de livros, realização de
estudos bíblicos e aconselhamento espiritual (que pode ser agendado
pessoalmente). A sede da entidade chama-se Canaã, e não por acaso:
nascida nos escombros de uma Alemanha devastada pela guerra, a Irmandade
Evangélica de Maria dedicou-se, desde o seu nascimento, a desenvolver
um "ministério de reconciliação" com a comunidade judaica. No Brasil, a
Irmandade estendeu sua mensagem de perdão e diálogo aos povos indígenas,
que, tal como os judeus, também foram vítimas de violência com o aval
do cristianismo.
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PARA SABER MAIS:
Livro:
Igreja e Germanidade, de Martin Dreher, Editora Sinodal,/Escola Superior de Teologia, São Leopoldo, 2003
Sites:
Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil: www.ieclb.org.br
Igreja Evangélica Luterana do Brasil: www.ielb.org.br
Irmandade Evangélica de Maria: www.canaan.org.br
Editora Concórdia: www.editoraconcordia.com.br
Editora Sinodal: www.editorasinodal.com.br
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Fonte: Revista das Religiões, http://www.metodista.org.br/igreja-luterana-revista-das-religioes
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Fonte: Revista das Religiões, http://www.metodista.org.br/igreja-luterana-revista-das-religioes
Publicado por José Geraldo Magalhães
em Geral | 20/09/2013 às 20:31:19
(Reportagem publicada na Revista das Religiões, da Editora Abril, novembro de 2004 - Suzel Tunes)
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