O estudo apresenta o que foi a Ortodoxia Luterana, as suas lutas e as suas principais contribuições da Teologia para a história da humanidade.
Revista Semestral de Teologia, por Clouis Jair Prunzel
I — O QUE
CARACTERIZA A ORTODOXIA LUTERANA
A partir da publicação do Livro de Concórdia, em 1580, inicia,
nos meados do século XVII, um novo período que marca o ponto alto de toda a
história da Teologia. Conhecido como
Ortodoxia Luterana, estende-se até a metade do século
XVIII, percorrendo 150 anos de versátil compreensão do material teológico e amplitude
do conhecimento bíblico. Mesmo preocupando-se em se manter a posição da
Reforma, a Ortodoxia constituiu um novo começo, notadamente com respeito à sua formulação
erudita da Teologia. A filosofia escolástica influenciou a Teologia Luterana, mas
o princípio phisosophia ancilla theologiae permaneceu. Hägglund caracteriza a
influência da filosofia neo-aristotélica nos seguintes pontos de vista:
1. "A metafísica escolástica, os conceitos
universais do mundo e da realidade, a aceitação da filosofia escolástica pela
teologia foi facilitada pelo fato que aquela baseava seu conceito universal de
mundo num princípio religioso: é Deus a realidade suprema e também o fundamento
e o alvo de todas as outras realidades.
2. "O Neo-aristotelismo também suscitou completa revisão
do método científico, fato que igualmente influenciou a exposição teológica. O
método analítico foi uma tentativa de apresentar a Teologia numa forma mais
padronizada do que se fizera anteriormente, isto é, a de representá-la como
doutrina da salvação e dos meios pelos quais esta salvação pode ser alcançada.
No entanto, também os tratados teológicos que empregavam este
método, ao mesmo tempo, seguiram a ordem da história da salvação, que é independente
de métodos filosóficos.
3. "Na medida em que foi aceita pela Teologia, a filosofia
escolástica alemã serviu para fortalecer a tendência intelectualista que caracterizou
a Ortodoxia Luterana. Também contribuiu para um tratamento mais científico das
questões teológicas. Pelo seu emprego da Filosofia, a Ortodoxia Luterana, de
certo modo, está melhor aparelhada para preservar e transmitir a herança
bíblica e da Reforma"
(1). As principais
características da Ortodoxia podem ser destacadas em cinco itens:
1. Unidade
doutrinária
A familiaridade com os escritos de Lutero e a lealdade
dos teólogos fez com que os ortodoxos permanecessem unidos na Controvérsia
Quenótica (1619-27).
2. Polêmicos
Os ortodoxos são chamados de "polêmicos" porque
lutavam contra os erros doutrinários que apareciam. Bellarmino, teólogo
católico, foi muito polemizado pelos ortodoxos.
3. Catolicidade
Negavam o princípio do tradicionalismo. Mas, ela ocupou grande
destaque na Ortodoxia Luterana. A dogmática da Ortodoxia clássica caracterizou-se
pelo copioso emprego do material patrístico e da escolástica. Agostinho exerceu
mais forte influência neste setor.
4. Estudo de
Lutero
Estudar os escritos de Lutero e as Confissões Luteranas foi
uma preocupação constante dos ortodoxos o que também fez com que permanecessem
unidos.
5. Exegese e
Dogmática
As obras dogmáticas eram baseadas na Escritura, como único
fundamento e, ao mesmo tempo, a interpretação da Bíblia era influenciada pela
concepção dogmática do todo e pela atitude polêmica.
"As exposições dogmáticas ortodoxas luteranas seguem
a ordem da história da salvação: criação, queda, redenção e escatologia são os
pontos principais que sempre aparecem em tais apresentações. A doutrina da
Palavra e a doutrina de Deus são analisadas em primeiro lugar. A ordem comum
nos vários loci geralmente inclui o seguinte: a Escritura Sagrada, a Trindade, Criação,
Providência, Predestinação, Imagem de Deus, Queda do Homem, Pecado, Livre
Arbítrio, Lei, Evangelho, Arrependimento, Fé. Boas Obras, Sacramentos, Igreja,
os Três Estados e Escatologia".
(2) O método dogmático era de reproduzir a infinita
riqueza da revelação bíblica. Como resultado desta atitude, suas mentes estiveram
abertas a todos os pormenores da tradição que lhes tinha sido transmitido mas
este método também conduziu a uma divisão infindável de questões, tornando
difícil distinguir entre o essencial e o secundário.
II — PERÍODOS DA
ORTODOXIA
Cronologicamente, o período da Ortodoxia Luterana
estendeu-se desde o escrito da Fórmula de Concórdia, quando as posições confessionais
luteranas foram estabelecidas, até o tempo de David Hollaz, no século XVIII.
Pode-se dividir
este período em três fases:
1 — Fase áurea da
Ortodoxia
A primeira fase estende-se desde o tempo da Fórmula de Concórdia
até a segunda década do século XVII. Foi um tempo de formação teológica e pode
ser chamado período áureo da os que estruturaram a Fórmula de Concórdia. O
período é Ortodoxia. Os representantes deste período, na sua maioria, foram marcados
por um espírito agressivo e um ensino criativo de questões dogmáticas. A
Dogmática era baseada no Loci Communes de Melanchton e permaneceu em uma fase
rudimentar de desenvolvimento. Os principais ortodoxos deste período são:
Chemnitz, Heerbrand, Selnecker e Hunnius.
2 — Alta Ortodoxia
O segundo período desenvolveu-se durante os dias da
Guerra dos Trinta Anos. Prevalece o método loci. As posições doutrinárias luteranas
são estabelecidas e fortificadas em controvérsias contra católicos, calvinistas
e outras antítese. A Filosofia influenciou a apresentação da Teologia. Os mais
importantes teólogos desta fase são: Hutter, Mentzer e Gerhard.
3 — Fase de Prata
Tem início no final da Guerra dos Trinta Anos. O
sincretismo foi muito atacado pelos ortodoxos. As obras dogmáticas se
caracterizam de modo similar pela sistematização mais rígida da tradição
ortodoxa, bem como pela definição lógica mais incisiva dos vários problemas doutrinários.
O Pietismo começa a influenciar, principalmente nos últimos ortodoxos.
Principais teólogos: Calov, König, Quenstedt, Baier e
Hollaz.
III — ORTODOXIA E
SOCIANISMO
A Ortodoxia Luterana lutou contra a propagação de um ponto
de vista antitrinitário: o Socianismo.
Iniciado na Polônia, o Socianismo, por sua crítica radical
aos dogmas aceitos, preparou o caminho para a teologia racionalista da era do
Iluminismo e também prenunciou o conceito moderno de religião em muitos
sentidos. Baseado em vários pontos da herança Nominalista da Baixa Idade Média
e do Humanismo da Renascença, o Socianismo insistia que dogma, ou o conteúdo da
Escritura, cuja autoridade era aceita de maneira formal, deve justificar-se
perante o tribunal da razão humana. Repudiam, por causa disso, as doutrinas que
julgavam opostas à razão. Em sua exposição da Escritura estabeleceram, como
critérios básicos, a inteligibilidade racional e a utilidade moral. Negavam a
divindade de Cristo e do Espírito Santo. Seguiam o Pelagianismo, negando a
imortalidade do homem e do pecado original. Negavam, também, o sacrifício
vicário de Cristo, dizendo que a morte de Cristo na cruz apenas prova ser Jesus
obediente, e sua ressurreição confirmou sua missão divina.
"Ao refutar estas ideias, os teólogos ortodoxos apresentavam
os seguintes princípios: há uma justiça 'essencial' em Deus, segundo o qual o
homem pecador deve ser punido. Mas por ser ele também misericordioso, Deus
deseja poupar a espécie humana. Por este motivo, Cristo veio para trazer mérito
e oferecer satisfação. O castigo que o pecado merece foi transferido a Cristo;
como resultado, Deus pode receber os pecadores por graça sem violar sua
justiça. Em vista disso, temos esta maravilhosa combinação de justiça e
misericórdia divina. Cristo era apresentado como Mediador entre Deus e os homens,
libertando-nos da maldição da lei, da ira de Deus e do juízo eterno"
IV — AS
CONTRIBUIÇÕES DA ORTODOXIA
Neste capítulo apresentamos o que de melhor o período da
Ortodoxia nos legou. Estudamos as contribuições de Martin Cliemnitz, John
Gerhard e Abraham Calov. Enfocamos, também à nível de loci, as contribuições
nas doutrinas das Sagradas Escrituras como Palavra de Deus, a doutrina de Deus,
a doutrina da Criação e queda do homem, a doutrina da Providência e Predestinação,
a doutrina do Livre Arbítrio, a doutrina da Lei e do Evangelho, a doutrina da
Fé e das Obras, a doutrina dos Sacramentos, da Igreja e Escatologia. Também,
destacamos as contribuições na ciência, na hinologia e devocionais, na arte e na
política.
1 - Contribuições
dos principais teólogos
a) Martin
Cliemnitz (1522-86)
Cliemnitz é reconhecido como defensor do conteúdo da Reforma.
Após estudar Lutero, lutou contra as ideias dos reformados. Sua principal obra
foi Examen Concilii Tridentini, que apareceu em 4 volumes entre 1565-73. Neste livro,
fez um estudo crítico do Concilio de Trento à base da teologia bíblica e da história.
Atacando as ideias de Hosius e Andradius, com. Base numa sadia exegese e com
uma base filosófica e histórica, esta obra causou um tremendo impacto na igreja
romana porque afirmava que o Concilio de Trento rompia com a teologia dos
Apóstolos e com a igreja Católica. Sua segunda obra, Loci
Theologiei, publicada depois de sua morte, está baseada no Loci Communcs de
Melanchton. Marca um estudo inovado na teologia luterana, onde apresenta
material bíblico vastíssimo para descrever artigos de fé cristã. Aparecem exegeses
de temas como fé, graça, justificação, batismo, santa ceia, trindade, etc.
Sobre cristologia, escreveu De Duabus Naturis; a maior dogmática
sobre a pessoa de Cristo. Estabelece, nesta dogmática, em primeiro lugar, que a
doutrina luterana sobre Cristo está de acordo com os credos e os pais da
igreja. Em segundo lugar, este livro oferece grande número de estudos
pertinentes à sede doctrinae de acordo com Colossenses 1 e Filipenses 2. Em
terceiro lugar, apresenta sistemática e convincente a doutrina sobre
Cristo por inteira. Um quarto livro, o qual foi terminado
por Leyser e Gerhard, intitulado Harmonia Quatuor Evangelistarum. É um estudo de
concordância dos quatro evangelhos e muito contribuiu para a exegese. Tornou-se
popular com a utilização na Bíblia Ilustrada de Calov.
Depois de Lutero, Chemnitz é o mais importante teólogo da
história da igreja luterana.
b) Johann Gerhard
(1582-1631)
Geralmente, é considerado o terceiro mais proeminente
teólogo luterano, depois de Lutero e Chemnitz. Foi pastor em Jena. Escreveu
vários livros, todos de cunho teológico. Destacam-se as exegeses, teologia
dogmática, literatura devocional, histórica e polêmica. Grande número de seus
sermões foram publicados. Sua maior e melhor obra é Loci Theologici, onde
retrata uma piedade evangélica, um excelente estudo sistemático e a utilização da
filosofia de acordo com princípios aristotélicos (causa cfficiem, causa
formalis, causa materialis e causa finalis). É influenciado por Chemnitz. É o
mais notável dogmático da Ortodoxia Luterana. Sua Confessio Catholica procurou
refutar as objeções da teologia católica romana com citações tomadas da própria
tradição da igreja de Roma. As populares Meditationes Sacra são devocionais;
Postula são tratados homiléticos e Schola Pietatis são debates e uma pormenorizada
exposição da ética e da vida da fé.
c) Abraham Calov
(1612-86)
Foi o mais brilhante teólogo do período da prata da
Ortodoxia
Luterana. Versado em todas as áreas do conhecimento
humano, foi um ortodoxo inflexível e seu zelo pela pureza do evangelho e a glória
de Deus dominou toda a sua vida ativa.
Foi um dos maiores escritores da Ortodoxia Luterana e escreveu
sobre Filosofia e Teologia, principalmente. A sua obra mais importante foi sua
Bíblia Ilustrada (1672-76), grande comentário de toda a Bíblia. Outra obra foi
o Systema Locorum Theologicorum, em 12 volumes. Nos primeiros volumes discute prolegomena,
revelação e Escritura como princípios de uma dogmática ortodoxa. Também,
escreveu Apodixis Articulorum Fidei, pequena dogmática onde apresenta um
sumário da teologia de outros ortodoxos. Isagoges ad SS. Theologium contribuiu para
o desenvolvimento da prolegomena.
Calov é muito utilizado por dogmáticos luteranos do
século passado. O trabalho por ele realizado contribuiu muito para o desenrolar
posterior da igreja luterana.
2 — Contribuições
na Teologia
É nesta área que os pais ortodoxos legaram sua maior
contribuição. Com uma unidade doutrinária, os ortodoxos puderam sistematizar o
estudo teológico, o que faz surgir os famosos loci, ou melhor, a Dogmática
propriamente dita.
Vivendo em meio a controvérsias e, também, guerras,
tiveram que estudar a fundo as questões controvertidas e, com muita fé,
permaneceram fiéis à Escritura, com uma sadia exegese e interpretação, com um
grande estudo dos pais da igreja, principalmente Agostinho e fundamentando-se
na teologia de
Lutero. Essa sistematização da doutrina cristã foi tão
bem estudada e, por isso, ela é ainda válida hoje, em suas questões
fundamentais. E são estas questões fundamentais que queremos retratar agora.
Colocamos, então, as principais características da teologia ortodoxa, fruto de
muito trabalho e que Deus, através do agir do Espírito Santo, agia nestas
pessoas.
a) A Doutrina das
Sagradas Escrituras
O objeto de estudo da teologia ortodoxa foi a Escritura Sagrada.
Era considerada o único princípio da teologia, ou seu pressuposto fundamental.
Por isso, a Bíblia deveria ser seguida mesmo quando parecia opor-se à razão,
bem quando parecia contradizer a tradição eclesiástica. Com isso, negavam o
princípio da tradição católico romana. A Palavra de Deus é vista como revelação
divina. "A revelação é definida como uma ação externa de Deus por meio da qual
ele se revela aos seres humanos através de sua Palavra e torna conhecida a eles
a sua salvação" (4). Essa revelação é dada internamente, por inspiração
imediata ou iluminação, como no caso dos profetas e apóstolos ou, ela nos é
dada externamente, através da Palavra pregada ou lida. Diz Gerhard (Loci Theologicum, Cotta II ed.
18):
"A Escritura nada mais é do que a revelação divina englobada
nos escritos sagrados. Por esta razão a Palavra revelada de Deus e a Escritura
Sagrada não diferem essencialmente, visto que os santos homens de Deus
englobaram essas mesmas revelações divinas nos seus escritos" (5).
Para explicar a frase "A Escritura é a Palavra de
Deus", utilizaram a terminologia filosófica da época. Distinguia a
Escritura em matéria e forma. "A matéria da Escritura é constituída pela
palavra, pelas letras e pelas frases que nele estão contidas. Neste sentido, a
Escritura não é nada diferente de qualquer livro. A forma é o significado
inspirado, o sentido divino da Escritura, aquilo que Quenstedt chama de
Sapientia Dei, a mens Dei, o consilium Dei" (6). O conceito aristotélico
dotou a concepção ortodoxa da Escritura com uma qualidade ausente no biblicismo
de anos anteriores, que frequentemente atribuía dignidade à interpretação
racional, literal. Os princípios exegéticos eram os seguintes:
a. Escritura é clara em si (per si evidens);
b. Ela é sua própria intérprete (sui ipsis interpres);
c. É a única e suficiente norma de fé;
d. As passagens difíceis devem ser interpretadas com a ajuda
das mais claras (analogia fidei);
e. Há um só sentido original (sensus literalis);
f. Sentido alegórico só se fosse no original (sensus
literalis).
Com os pressupostos de autoridade e inspiração da
Palavra, rejeitaram o espiritualismo, afirmando que o Espírito não age ao lado
da Palavra ou independentemente dela, mas com e em a Palavra divina quando é
ouvida e lida.
b) A doutrina de
Deus.
Sobre a doutrina de Deus escreve Hägglund:
"Em certo sentido, toda a posição dogmática ortodoxa
constituiu uma 'doutrina de Deus'. A doutrina da criação e o plano de salvação
relacionam-se com a exposição do ser de Deus (a Trindade, Cristologia, etc.)
como sendo descrição da vontade de Deus, manifestada em suas obras. Também se
faz referência a Deus, é a causa de nosso conhecimento dele. Assim como as
coisas do mundo em torno de nós influenciam o intelecto e desta maneira evocam conhecimento
sensitivo e conceptual, assim também é a manifestação de Deus feita por ele mesmo
— seu aparecimento em suas palavras e obras — e causa direta de nosso
conhecimento dele. Esta ideia básica era pressuposto fundamental da teologia
ortodoxa" (7)
O homem, para os ortodoxos, chega a conhecer a Deus através
de um conhecimento congênito de Deus, que foi colocado no coração do homem, na criação.
E, também, através de um conhecimento adquirido através da observação das
coisas criadas. Quanto aos atributos divinos, existem os internos, os que são
intrínsecos à própria divindade (por exemplo, que Deus é um ser espiritual e
invisível, eterno e onipresente) e os atributos externos, aqueles que se
manifestam em relação à criação (a onipotência, a justiça e a veracidade de
Deus).
A Trindade foi descrita assim como estava contido no Credo
Atanasiano: que o Pai não é gerado nem criado, que o Filho é gerado pelo Pai e,
o Espírito não é gerado nem criado mas procede do Pai e do Filho. Esta questão
foi muito estudada para arrebatar o Socianismo que surgiu na época.
A Cristologia, assim como na época da Reforma, foi
estudada e analisada pelos ortodoxos. A principal questão era: como unir a
natureza divina e humana de Cristo. Responderam a questão "afirmando que
'o verbo se fez carne' não deve entender-se como significando que a carne
transformou-se em natureza divina. Tampouco a divindade manifestou-se em forma corporal
como se isto fosse uma forma de revelação temporária. Mas a Unio personalis
significa que o Logos, segunda pessoa da Divindade, assume a natureza
humana". (8)
Distinguem também o estado da humilhação e exaltação de Cristo.
Falou-se em três ofícios de Cristo, o profético, o sacerdotal e o real. Estes
três ofícios não se referem a etapas separadas da obra de Cristo; antes,
designam diferentes facetas da mesma obra da salvação.
c) A doutrina da
criação e da queda do homem
A concepção ortodoxa foi de que Deus criou ex nihilo
tanto as coisas visíveis como as invisíveis.
O homem foi criado à semelhança de Deus e a imago Dei é
definida como uma forma original inata de justiça e santidade. A queda, como
transgressão de Deus, trouxe a perda da justiça original. Por isso, entrou no
mundo uma condição de culpa e uma inclinação para o mal através do pecado
original. Volta-se a Deus somente pela fé na obra redentora de Cristo.
d) A doutrina da
Providência c Predestinação
Por providencia entendiam a criação contínua. Deus não apenas
criou as coisas no início; também as preserva em sua existência contínua. Por
isso, tudo que ocorreu no mundo está subordinado à supervisão e direção direta
de Deus; nada ocorre sem sua vontade.
Quanto à predestinação, reafirmaram o que estava na
Fórmula de Concórdia. Diz-se que a predestinação, ou eleição, só se refere aos
que chegam a crer em Cristo e que permanecem nesta fé até ao fim.
e) A doutrina do
Livre Arbítrio
Colocaram que ao homem falta o livre arbítrio.
Encontra-se cativo como consequência do pecado e, portanto, é incapaz de fazer
o bem espiritualmente; não pode, como resultado, cooperar em sua conversão.
Aceitou-se a posição estabelecida na Fórmula de Concórdia.
f) Doutrina da Lei
e Evangelho
Para os ortodoxos é em virtude da operação da Lei e do Evangelho
que o homem pode ser convertido e passar da morte e da ira à vida. Isso também
se denomina arrependimento. A definição de Lei era que ela é eterna e imutável
sabedoria e regra de justiça válida perante Deus. A definição de Evangelho que
ele, como proclamação da completa redenção de Cristo, é mensagem consoladora e
edificante. Neste sentido, a Lei é a palavra que ameaça, acusa e condena,
enquanto que o Evangelho consola, edifica e salva. O arrependimento foi posto
ao lado da conversão, a experiência através da qual a fé é acesa e o homem
passa da ira para a graça. Mais tarde foi acrescentada várias ações pelas quais
o Espirito Santo aplica a salvação no indivíduo.
g) Doutrina de Fé
e Obras
A distinção entre fé e obras foi evidenciada. A fé é o instrumento
para a justificação e ela se dirige à graça divina prometida em Cristo. Os
frutos da fé são as boas obras. A finalidade delas é a de glorificar a Deus e de
promover o bem-estar do próximo. O homem não é declarado justo por causa de
suas obras, pois é justificado tão somente pela fé que se apega à expiação de
Cristo e à misericórdia de Deus nela revelada. A conexão entre fé e obras é a
de serem estas frutos da fé.
h) A Doutrina dos
Sacramentos
Os sacramentos foram interpretados de acordo com o ponto de
vista dos luteranos mais conservadores e com a Fórmula de Concórdia. Eram
vistos como dons celestiais que fortificam a verdadeira fé no evangelho.
i) A Doutrina da
Igreja
Seguiam a definição da Reforma, a igreja como "a
congregação dos santos e crentes", que a Palavra divina é pregada em
pureza e os sacramentos são corretamente administrados.
Dentro desta igreja, distinguiam-se três ofícios:
1. ofício da pregação;
2. autoridade política;
3. matrimônio.
A primeira das três se destina a conduzir o homem à
salvação eterna, a segunda a manter a ordem e a proteger a sociedade, a
terceira, a de aumentar a raça e a providenciar apoio mútuo.
j) A Doutrina da Escatologia
Esta doutrina ocupava lugar importante na dogmática
ortodoxa. Ensinavam que tanto o homem (microcosmo) como o mundo (macrocosmo)
encaminhavam-se para um fim. E, no fim, ocorrerá a ressurreição, seguida do
juízo final, quando cada tornem terá que enfrentar novamente as ações de sua
vida na terra. Na existência eterna, que seguirá o fim dos tempos, os que
praticaram o mal receberão a morte eterna, e os que fizeram o bem herdarão a
vida eterna.
3 — Contribuições na Ciência
A Ortodoxia Luterana marca o início da ciência moderna.
Durante o século XVI, a concepção grega de mundo
dominava. A ideia desenvolvida durante a Idade Média, que a terra é o centro do
universo porque a teologia cristã determinava uma teoria geocêntrica, onde o
sol e os planetas é que giravam em torno da terra e que a ação divina estava
centrada na terra, modifica-se, tornando-se heliocêntrica. Nicolaus Copernicus (1473-1543)
dá início a esta concepção heliocêntrica mas tem que se retratar devido esta
concepção medieval.
Mas Johannes Kepler (1571-1630) e Galileo Galilei
(1564-1642) derrubam esta concepção medieval e provam, através da utilização do
telescópio, a teoria heliocêntrica do universo.
Com essa nova concepção do universo, destrói-se a síntese
aristotélica de mundo e toda a feitiçaria criada na Idade Média, na qual o
mundo era o centro das atividades diabólicas.
Isaac Newton (1642-1727) publica uma vasta obra
intitulada Philosophia naturalis principia mathematica. Esta obra, baseada na
lei da gravidade, fala de uma força-motora que move o universo. Estabelece a
metodologia da ciência moderna, baseada em três princípios:
1. insistência numa observação experimental;
2. lei da simplicidade;
3. extensivo uso da matemática, expressando a lei
universal da gravidade como fonte.
Com toda essa mudança, o mundo inicia uma nova vida. O
Deus que castiga e que este mundo é diabólico, por causa das bruxarias, deixa
de existir por ser Deus bondoso, que age no mundo e que motiva as pessoas a
viver neste mundo.
1 — Contribuições na Literatura Devocional e Hinos
Assim como a Ortodoxia produziu obras teológicas, esta mesma
Ortodoxia produziu também grandes poetas e grande literatura devocional que
expressam a fé cristã que dominava a vida das pessoas. É neste período que, sem
dúvida, desenvolve-se o período áureo da hinologia luterana. Surgem grandes
escritores como Philipp Nicolai, Johann Hermann, Johann von Rist e Paul
Gerhardt.
Nicolai (1556-1608) foi pastor e teólogo na Westfalia.
Viveu num período de peste. Sepultou mais de 1300 pessoas em seis meses. Heimann
(1585-1647) foi pastor em Koeben durante a
Guerra dos Trinta Anos. Durante seu ministério, sua
cidade foi queimada, saqueada quatro vezes e foi devastada por pestes. Rist
(1607-67) viveu durante a Guerra dos Trinta Anos quando sua casa foi saqueada.
Escreveu 680 hinos, dos quais a maioria deles de conforto nas horas difíceis. Mas
foi Paul Gerhardt (1607-76) o maior hinologista da época. Nasceu na Saxônia.
Tornou-se pastor mas, numa discussão entre luteranos e calvinistas, onde
recusou um compromisso com a posição luterana, teve que deixar de utilizar o
púlpito. Precederam-no na sua morte a esposa e os quatro filhos. Acometido por
toda esta aflição, Gerhardt escreveu 134 hinos em alemão e 14 em latim,
inspirados em sua experiência, nas calamidades sociais, etc. Fala, em seus
hinos, da fé em Deus, nas obras divinas, na natureza, na Igreja e na Escritura.
O profundo sentimento religioso do tempo da Ortodoxia também
pode ser visto nas obras devocionais. Esta literatura consiste em edificante e
apresentação popular da fé cristã para ser usada individualmente ou em grupos,
em forma de oração e meditação. Esses livros eram escritos para soldados,
viajantes, futuras mães, etc. Eram usadas em determinadas horas do dia.
A mais famosa obra devocional do século XVIII é de Johann
Arndt (1555-1621). Também, podemos incluir Lewis Bayly (1565-1631), Johann
Gerhard, Johann Hermann e Heinrich Mueller(1631-75).
5 — Contribuições na Arte
No mesmo período que ocorreu a Ortodoxia, desenvolveu-se a
arte barroca na Europa. Caracteriza-se pela construção de palácios, monumentos
e igrejas. Mas, a Ortodoxia influenciou muito mais na música. Durante este
período surgem dois grandes compositores: George Friderich Händel (1685-1759) e
Johann Sebastian Bach (1685-1750). Händel, compositor saxão, compôs várias
grandes obras religiosas: Messias e Judas Macabeo e outras. O estilo dele era uma
combinação da música alemã, francesa e italiana. Os temas de suas composições
estavam refletidas sobre a vida dos ingleses.
Bach nasceu numa família totalmente voltada à música, na
Alemanha. Escreveu músicas sacras e seculares, corais e cantatas, solos para
flauta, violoncelo, órgão e harpa. Sua música secular refletia louvor e amor
pela vida e paz, fruto das aulas que dava. Mas a verdadeira vocação musical
estava refletida sobre o serviço a Deus. Vários motivos religiosos o levaram a escrever
música sacra. As obras Sinfonia em B Menor e Paixão Segundo São Mateus foram
frutos da fé de um verdadeiro crente que manifestava a glória de Deus.
6 — Contribuições na Política
A Ortodoxia proporcionou a criação de vários estados absolutos.
Os principais absolutistas partiram do pressuposto de que eram detentores de
direitos divinos na terra e, assim, criaram seus estados. Isto aconteceu na
França, com Luis XIV, na Prússia, com Guilherme Frederico, I e II. Também, os czares da Rússia, como Pedro, o Grande.
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Fonte de onde extraímos este material: Revista
Semestral de Teologia - Faculdade de Teologia
do Seminário Concórdia - São Leopoldo, RS. 89-01 / ANO
49 - Clouis Jair Prunzel - Aluno
do 2° Teológico. Título Original: OS ALUNOS ESCREVEM - A Ortodoxia Luterana.
Fontes utilizadas pelo autor:
NOTAS: 1) Hägglund. História da Teologia, p. 260, 1. / 2) Idem, ibidem, p. 262. / 3) Idem, ibidem, p. 279. / 4) Preus. A Palavra de Deus na teologia da ortodoxia
luterana. / 5) Idem,
ibidem, p. 3. / 6) p. 2. / 7) Hägglund,
op. cit., p. 266. / 8)
Hägglund, op. cit., p. 268. BIBLIOGRAFIA: CLOUSE,
Robert. The Church in The Age of Orlodoxy and the Enlightenment. St.
Louis, Missouri, Concórdia, 1980. HÄGGLUND,
Bengt. História da Teologia. Porto Alegre, Concórdia, 1986. PREUS,
Robert. The Theology of Post-Reformation Lutheranism. S. Louis, Concórdia, 1970.