segunda-feira, 12 de maio de 2008

Das Boas Obras

Das Boas Obras

As Boas Obras sempre foram um artigo de grande controvérsia mesmo entre as igrejas reconhecidamente cristãs. Na verdade, mesmo antes do nascimento da igreja, a cristandade já se debatia com este problema, a saber: Se as boas obras são necessárias para a salvação. Se as boas obras são necessárias ao menos para manter a salvação. Se as boas obras são prejudiciais à salvação.
O assunto é bem amplo, e está aberto a discussões. Porém muitas denominações religiosas sequer têm uma posição clara a este respeito. Mas creio que por se tratar de um tema fundamental no ceio da igreja, o mesmo deve ser esclarecido ao máximo, afim de que erros grosseiros possam ser evitados.
Abaixo segue minha opinião, fé e confissão sobre este tema:

1. Devemos diferençar entre obras que são boas diante dos homens e obras que são boas diante de Deus.

- Deus mui­tas vezes desaprova o que os homens consideram dignos de louvor, e os homens muitas vezes ignoram e desprezam o que é bom e aceitável aos olhos de Deus. Não cabe ao homem determinar quais as obras que agradam a Deus. Só Deus po­de fazê-lo (Miquéias 6.8).

2. Duas coisas são necessárias para que qualquer obra se qualifique como boa diante de Deus:

a- deve estar conforme a lei divina e deve proceder do motivo certo.

Boas obras devem estar conformes à vontade de Deus, tal como está revelada em sua palavra, especialmente na lei. É em vão supor que qualquer homem, clérigo ou leigo, congregação ou sínodo, possa determinar o que deve agradar a Deus.

"E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens" (Mateus 15.9). A palavra de Deus é o único padrão de boas obras. "Cuidareis em fazerdes como vos mandou o Senhor vosso Deus: não vos desviareis, nem para a direita, nem para a esquerda" (Deuteronômio 5.32).

Obras feitas de acordo com outros padrões, tais como os man­damentos da igreja, ou a devoção própria do homem, com sua santidade auto-inventada e exercícios impostos por ele mes­mo, não são boas obras, mas culto vão. E a boa intenção que se possa ter não transformará uma clara transgressão da lei em boa obra.

"Eis que o obedecer é melhor do que o sacri­ficar" (l Samuel 15.22); (João 16.2).

b- Boas obras devem proceder do amor a Deus.

Mesmo as obras da lei não são obras verdadeiramente boas se feitas por constrangimento, por serem ordenadas, ou se feitas por medo de punição, ou por desejo de recompensa. As esmolas e orações dos fariseus não agradaram a Deus, porque foram produzidas por vanglória e autojustiça (Mateus 6.1-5). Qual­quer consideração egoísta destrói a qualidade das boas obras. A fé atua pelo amor (Gálatas 5.6). A fé em Cristo produz amor no coração, e este amor se manifesta em boas obras. "O cumprimento da lei é o amor" (Romanos 13.10); (Ma­teus 22.36-40; 1 João 5.3).

3. Os não salvo não podem fazer obras verdadeiramente boa.

- Podem em alguma medida, sujeitar-se à letra da lei, e desta maneira realizar uma justiça civil. Podem ser louvados pelos homens por sua filantropia, pureza moral e honestidade, porque "o homem vê o exterior, porém o Senhor, o co­ração" (1 Samuel 16.7). É a atitude do coração que deter­mina o valor ético da obra. O único motivo reconhecido por Deus é amor abnegado, amor de Deus. Tal amor é fruto da fé, sendo, por isso, encontrado apenas em crentes.

"Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer" (João 15. 5).

Os que crêem em Cristo são solícitos na prática de boas obras (Tito 3.8). Os regenerados estão internamente qualificados para a prática de boas obras, e as praticarão. A luz de sua fé brilhará em muitas boas obras (Mateus 5.16).

"Enquanto o homem não está salvo, conduzindo se de acordo com a lei e praticando as obras por serem ordena­das, por medo de punição ou desejo de recompensa, ainda es­tá sob a lei, e suas obras são chamadas por Paulo propria­mente obras da lei, pois são extorquidas pela lei, como as de escravo. Estes são os santos segundo a ordem de Caim, isto é, hipócritas. Mas quando o homem renasce pelo Espírito de Deus e está liberto da lei, isto é, livre do verdugo e guiado pelo Espírito de Cristo, vive de acordo com a vontade imu­tável de Deus contida na lei, e enquanto renascido tudo faz de espírito livre e contente. Estas obras não são chamadas propriamente da lei, mas obras e frutos do Espírito" (Fór­mula de Concórdía, Declaração Sólida, art. VI, 16, 17, Tri­glotta, p. 967).

Assim duas pessoas podem fazer exatamente a mesma obra requerida pela lei, mas uma a faz justamente por ser exigida, e teme a punição, ao passo que a outra a faz por amor a Deus e em gratidão por suas misericórdias. É esta última quem pratica boa obra.

4. Nem tudo o que o cristão faz é boa obra.

- Ainda tem o velho homem, que de forma alguma é melhor do que o do não salvo. Tudo o que procede da carne do cristão é ímpio e pecaminoso (Romanos 7.14-23). Apenas andamos no Espírito se vivemos no Espírito (Gálatas 5.25). Apenas pro­duzimos bom fruto quando nossa fé atua pelo amor. - Mes­mo as boas obras dos crentes não são perfeitas, mas estão manchadas pelo pecado. Disse Lutero: "O cristão piedoso pe­ca em todas as suas boas obras." Isto é verdade, porque tudo o que faz está mais ou menos contaminado com a pecami­nosidade da carne, o temor servil, o egoísmo, etc. (Isaias 64. 6). Mas por causa de Cristo mesmo estes sacrifícios espiri­tuais imperfeitos de seus filhos são aceitáveis diante de Deus (l Pedro 2.5).

"Mas a lei não ensina como e quando as boas obras dos crentes, embora nesta vida imperfeitas e impuras em virtude do pecado na carne, são, contudo, aceitáveis para Deus e lhe agradam... Mas o evangelho ensina que nossas ofertas espirituais são aceitáveis para Deus pela fé, por cau­sa de Cristo" (Fórmula de Concórdia, Declaração Sólida, arti­go VI, 22, Triglotta, p. 969).

5. Adiáforos.

- Obras não ordenada ou proibida es­pecificamente por Deus são em si mesmas indiferentes (Mittel­dinge, adiáforos). Mas também a qualidade delas é determi­nada pelo motivo que as origina.

"Portanto, quer comais, quer bebais, ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a gló­ria de Deus" (1 Coríntios 10.31).

Não podemos pecar para a glória de Deus (Romanos 2.23,24; 6.1). Mas qualquer coi­sa que fazemos se procede do amor a Deus e é para sua gló­ria, é serviço que lhe agrada. Onde quer que Deus nos haja posto na vida, quer sejamos empregadores ou empregados, pais, mães, filhos, professores, estudantes, etc., devemos cumprir nosso dever com fidelidade,

"como servos de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus; servindo de boa vontade, co­mo ao Senhor, e não como a homens" (Efésios 6.6,7).

Se cumpridos no verdadeiro espírito, os mais simples deveres de nossa vida diária tornam-se serviço agradável a Deus. Trabalhar apenas por dinheiro, estudar meramente para conse­guir honrarias e créditos, é egoísmo, não boa obra. Mas tra­balhar e estudar porque é da vontade de Deus que o façamos, e mostrar nosso reconhecimento pelo que Deus fez por nós, é agradável aos olhos de Deus.


6. Boas obras são necessárias porque Deus as pede de seus filhos (Mateus 5.16; 2 Coríntios 9.6,8; Tito 2.14).

- São, além disso, os frutos necessários do arrependimento (Mateus 3.8), o produto inevitável da fé (Gálatas 5.6; João 15.5). Sem eles a fé está morta (Tiago 2.17).

"Os regenerados pra­ticam boas obras de espírito livre. Isso não deve ser enten­dido como se fosse matéria de opção do regenerado fazer ou abster-se de fazer o bem quando assim o deseja, e que possa reter a fé ainda que intencionalmente persevere em pecados" (Fórmula de Concórdia, Epitome, Artigo IV, 11, Triglotta, p. 799).

As boas obras não são necessárias para a justificação e a salvação (Romanos 3.28). Ninguém é declarado justo diante de Deus na base de suas boas obras. Quando Deus justifica o homem, em nenhum sentido toma em considera­ção o bem que o homem possa haver feito, mas olha apenas para os méritos de Cristo (Romanos 3.24). Nossas boas o­bras também não complementam alguma falta ou deficiência nos méritos do Salvador.

"Porque com uma única oferta aper­feiçoou para sempre quantos estão sendo santificados" (He­breus 10.14).

Nem são necessárias para dar força e poder salvífico à fé, pois a fé confia nos méritos de Cristo, não em seus próprios frutos. Também não são necessárias para pre­servar a fé no coração, pois isso é feito pelo Espírito Santo através do evangelho (Cf. Fórmula de Concórdia, Epitome, e Declaração Sólida, Art. IV, Triglotta, p. 797 e seguintes).

7. Boas obras são recompensadas.

- A recompensa de boas obras não é recompensa conquistada por nós e que pos­samos exigir como devida a nós.

"Assim também vós, de­pois de haverdes feito quanto vos foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer" (Lucas 17.10).

Além disso, nossas melhores obras são im­perfeitas, e julgadas por seus méritos apenas alcançariam con­denação para nós. “Ensinamos ser necessário praticar boas obras não para confiarmos que por elas mereçamos graça, mas por ser da vontade de Deus (Confissão de Augsburgo, Art. XX, 27, Triglotta, p. 57)”. Jamais deve ser intenção nos­sa ganhar algo com nossas boas obras, pois isso destruirá de vez seu caráter de boas obras.

Deus, contudo, prometeu recompensar ricamente nossas boas obras.

"É grande o vosso galardão nos céus" (Mateus 5.12). "A tua recompensa, porém, tu a receberás na ressur­reição dos justos" (Lucas 14.14).

"A piedade para tudo é proveitosa, porque tem a promessa da vida que agora é e da que há de ser" (1 Timóteo 4.8).

Isso não é recompensa de mérito, mas de graça, recompensa que Deus não nos deve e que não podemos exigir como devida a nós, mas que ele pro­mete e dá livremente a seus filhos apenas por graça. Deus não revelou a exata natureza dessa recompensa. Pode ser que ele nos conceda bênçãos especiais em nossa vida (Eclesiastes 11.1; Provérbios 19.17; o quarto mandamento), ou que evi­te conseqüências danosas de nossos próprios erros. Nos céus a recompensa consiste em maior grau de glória (Mateus 25. 14-30; Lucas 19.12-26; 2 Coríntios 9.6).

Rev. Ari Fialho Jr.
Soli Deo Gloria!

Sumário da Doutrina Cristã - 2ª Edição, p. 155 - 159 – Editora Concórdia - 1981
Fór­mula de Concórdía, Declaração Sólida, art. VI, 16, 17, Tri­glotta, p. 967
Confissão de Augsburgo, Art. XX, 27, Triglotta, p. 57
Fórmula de Concórdia, Declaração Sólida, arti­go VI, 22, Triglotta, p. 969.
Fórmula de Concórdia, Epitome, Artigo IV, 11, Triglotta, p. 799.
Cf. Fórmula de Concórdia, Epitome, e Declaração Sólida, Art. IV, Triglotta, p. 797 e seguintes.
Confissão de Augsburgo, Art. XX, 27, Triglotta, p. 57
Bíblia Sagrada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário